Administração Pública

Máquina pública: quando
os números podem enganar

  DANIEL LIMA - 14/02/2024

A pergunta que o leitor deve responder é aparentemente simples, uma mamata. Então não vamos perder tempo porque há desdobramentos.

Trata-se do seguinte: quem gasta mais com o funcionalismo público municipal entre quatro municípios da região (os que mais despendem na atividade) conforme números oficiais da Secretaria do Tesouro Nacional de 2022:

  

a) Quem consumiu naquela temporada o total de R$ 1.632.440 bilhão.

b) Quem consumiu naquela temporada o total de R$ 1.193.838 bilhão.

c) Quem consumiu naquela temporada o total de R$ 656.534 milhões.

d) Quem consumiu naquela temporada o total de R$ 788.378 milhões.

 

Pense bem antes de responder. Para facilitar a vida de todos, vou oferecer alternativas a escolher:

 

a) Claro que quem gastou o maior valor, está na primeira alternativa.

b) Estou certo de que houve algum erro de digitação caso a primeira alternativa não seja a correta.

c) Não tenho a menor sombra de dúvida, aposto o que quiserem, que é a primeira alternativa.

d) Seria um imbecil juramentado se a resposta não fosse a primeira alternativa. 

 

Se você optou por uma das quatro alternativas acima, parabéns; Você integra a grande maioria dos brasileiros que hierarquizam dados, todos os dados, sem ponderações.

POUCOS ESCAPAM

E nem pensem que jornalistas são diferentes:  a maioria, sobretudo quem não é do ramo econômico e também aqueles que obedecem patrões que não são jornalistas e só estupram o conceito de jornalismo, seguem a mesma trilha.

Tanto seguem a mesma trilha que, ainda recentemente e, mais uma vez, deram uma resposta semelhante em caso de saldo de emprego formal na temporada passada. Viram com olhos enviesados apenas a diferença entre contratações e demissões nos 12 meses. Desdenharam do estoque anterior. Jogaram no lixo diferenças entre uma cidade com mais de 200 mil trabalhadores registrados em carteira e outra com menos de 100 mil.

Agora vamos aos fatos. Os números apresentados logo acima são respectivamente das prefeituras de São Bernardo, Santo André, São Caetano e Diadema. Faltam dados dos demais municípios da região porque não constavam da fonte de informações.

Seguindo o roteiro convencional, quem mais gasta com o funcionalismo público da ativa e aposentados, entre outras despesas específicas, é São Bernardo. Ou alguém tem dúvida de que R$ 1.632.440 bilhão é maior que qualquer quantia relacionada abaixo? E que Diadema, a Diadema socialista de 34 de 42 anos desde a eleição do metalúrgico Gilson Menezes, é quem menos paga ao funcionalismo público?

OUTRO RANKING

Todos caíram do cavalo da convicção ou da chutometria. As contas não se fazem assim, assim como não se fazem contas da vitalidade do mercado de trabalho tomando-se por base o saldo anua sem levar em conta o estoque anterior.

No caso que se segue, de dispêndio com o funcionalismo público, o ranking é outro. A base de comparação, e de explosão do simplismo, é que o valor comprometido com os pagamentos de ativos e inativos, entre outras despesas, tem de ser correlacionado à receita total dos municípios.

SÃO BERNARDO MELHOR

São Bernardo, que mais gasta em termos nominais, é a que menos consome com funcionalismo público em números relativos. Apenas 30,80% das receitas de São Bernardo (R$ 5.300.076 bilhões) vão para o funcionalismo público.

Santo André gasta um pouco mais que São Bernardo e um bocadinho também a mais que São Caetano: 35,78%, correspondente à divisão da receita total de 2022 (R$ 3.336.983) frente a despesa já mencionada.

São Caetano gastou com o funcionalismo o equivalente a 34,20% da receita total de R$ 1.920.205 bilhão.

E Diadema, dos quase R$ 800 milhões de despesas, metade de São Bernardo, consumiu quase a metade da receita total (exatamente 49,43%) de R$ 1.584.827 bilhão.

Para o leitor não se perder com os números, então fica assim: quem menos gastou em 2022 com o funcionalismo publico municipal foi São Bernardo, seguida de São Caetano, Santo André e por último Diadema. 

RECEITA POR HABITANTE

Agora seguimos com outros dados. A receita total de São Bernardo por habitante em 2022 alcançou R$ 6.537,42 mil, ante a despesa com funcionalismo publico também por habitante de R$ 2.013.355 mil. 

São Caetano gastou mais com o funcionalismo publico (R$ 3.963,86 mil por morador) porque também a receita total por morador foi muito acima – R$ 11.591,59 mil. 

Em termos nominais, Diadema foi quem gastou menos por habitante no pagamento do funcionalismo publico (R$ 2.004,84 mil) exclusivamente porque recebeu também menos de receita total por habitante – R$ 4.030,20 mil, ou praticamente um terço de São Caetano e 50% menos que São Bernardo.

Para completar, Santo André gastou por habitante para manter o pagamento do funcionalismo público menos que todos os demais (R$ 1.594,81 mil) porque também não teve receita total lá essas coisas – R$ 4.455.573.  

DIADEMA GASTA MAIS 

Repararam os leitores porque brigamos tanto para manter a casa da informação sob o controle empírico de contrapontos que cortam as veias de proselitismos políticos? Já imaginou como seria bom se toda a mídia pervertida se desse conta de que a sociedade precisa ser bem informada?

Diadema gasta mais que Santo André, São Bernardo e São Caetano, cidades mais tradicionais da região e que poderiam ter peso relativo maior de custos com o funcionalismo público entre outras razões porque a base é antecedente à autonomia de Diadema. 

Diadema não tem vocação inútil para gastar mais com os servidores públicos. Trata-se de um legado que se cristaliza como política pública de investir mesmo mais em duas áreas típicas de Estado – Educação e Saúde. Se os resultados são os melhores possíveis, isso fica para outra análise. Não o são, respondo desde já, mas deixo as provas para outra edição. 

O fato é que Diadema reservou no orçamento de 2022 nada menos que 58,89% às despesas totais para as áreas de Saúde e Educação, que implicam a contratação de profissionais. São Caetano investiu em valores relativos tanto quanto, ou seja, 57,75% do orçamento da temporada. São Bernardo ficou em terceiro com 50,33% de despesa nas duas áreas, enquanto Santo André não passou de 46,70% ao ocupar a última posição desse miniranking.  

Vou deixar para situação apropriada a revelação do estágio em que se encontra tanto a Saúde como a Educação de Diadema em relação aos três municípios desse confronto. Sei que sei porque li muito a respeito que está em desvantagem num ranking a respeito. Isso não quer dizer, entretanto, que temos um caso de incompetência da continuada gestão esquerdista em Diadema. 

MUNDOS DIFERENTES

Alguém tem dúvida de que a ocupação aceleradíssima e mais recente de Diadema por migrantes, principalmente, veio carregadíssima de passivos sociais típicos de quem procura encontrar o futuro? É claro que esse quadro é bem diferente de movimento menos agressivo de pobres e miseráveis de Santo André, São Bernardo e São Caetano.

O que quero dizer com isso -- e dizer isso num País polarizado entre esquerda e direita sempre carregaria um tom reprovador de um lado ou de outro -- é que é indispensável relativizar os resultados e os dispêndios nas duas áreas.

Diadema, no cruzamento explicativo de receitas, despesas e ações em Educação e Saúde, é bem diferente de São Bernardo, Santo André e São Caetano. Vai perder sempre e sempre. 

Isso, entretanto, não deveria ser interpretado como salvo-conduto a eventuais distorções nas duas pastas de cunho social e também nos próprios dispêndios com o funcionalismo publico em geral.

É muito difícil confrontar resultados distintos e realidades distintas tomando-se o pulso de um igualitarismo interpretativo que soaria discriminatória.  

Entretanto, mesmo essa consciência não pode ser impeditiva à construção dos rankings. De alguma forma os dados servem para distinguir o que é perfeitamente distinguível em métricas estritamente estatísticas.

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